Do Sofrimento à Flexibilidade: Superando o Ditador Interno

Por: Alvaro Neto
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Do Sofrimento à Flexibilidade: Superando o Ditador Interno
É comum que pessoas procurem os consultórios de psicologia atrás de ajuda para
enfrentar algum obstáculo em suas vidas. Esse obstáculo comumente se apresenta na
forma de um sentimento, pensamento ou afeto que, produzindo dor ou incômodo, é visto
como algo a ser eliminado.
Ao pôr como foco de sua vida eliminar esse obstáculo mental, um sujeito acaba se
tornando vítima de um ditador interno, este, altamente capaz de apresentar problemas
catastróficos e impor soluções extremas. Se sentirmos medo de apresentar um projeto,
antecipando críticas ou um vexame, devemos deixar a função para um colega; se nos
entendamos como pessoas pacíficas, nos sentimos mal se pensarmos algo agressivo,
mesmo que alguém tenha nos provocado; se sentimos ciúmes de nossa namorada indo a
uma festa, devemos impedi-la de ir ou expulsar o ciúme de nossa mente para não sermos
controladores.
Em todos esses casos, vemos o que está na mente como real e focamos nossos esforços
no mundo material a eliminar esse conteúdo mental. Ao fazê-lo, podemos ter sucesso, mas
apenas naquele momento. O medo de apresentar voltará no próximo projeto; outra
situação nos trará raiva; os pensamentos de ser traído retornarão quando a namorada
quiser sair sem você. Tentamos de tudo para evitar nossos obstáculos mentais, e nesse
exercício, só nos tornamos melhores em fugir de nossa vida material e a nos perder cada
vez mais em um labirinto de pensamentos que nunca termina.
Que tal, pelo menos uma vez, a gente não lutar contra nossa mente? Deixar que o
pensamento ameaçador ou o sentimento incômodo fique ali, como um passageiro chato
no banco ao seu lado no ônibus. Você não precisa puxar conversa, mas também não
precisa sair no próximo ponto. É só seguir sua viagem, sabendo que ele vai descer mais
adiante.
O ditador interno é muito eficiente em transformar aquilo que ele traz em algo imenso e
intransponível: pensamos que vamos errar e falar uma besteira na apresentação; sentimos
que a raiva nos fará ser outra pessoa; acreditamos que, se nossa namorada sair sozinha,
seremos traídos ou que o sentimento de ciúmes nos põe a um passo de nos tornarmos um
namorado controlador. Parece que aceitar essas experiências significa tornar aquilo que
pensamos em realidade. Apesar disso, o ditador interno, de forma surpreendente, existe
apenas dentro de nossa cabeça.
Na Terapia de Aceitação e Compromisso, o sofrimento mental não é visto como um inimigo;
é algo que faz parte da experiência humana e deve ser vivido como o é. Sair dessa luta
mental permite o olhar para o real, lidando com as ocorrências materiais de nossas vidas.
Ao não lutar contra o ditador interno, podemos nos focar no momento presente, aceitar os
sentimentos que temos, nos desprender de uma ideia rígida de EU e entender que pensar
algo não significa que esse algo é real; podemos tomar atitudes que realmente nos
conduzam na direção daquilo que nós valorizamos na vida. Estes princípios da
Flexibilidade Psicológica são um caminho para viver uma vida diferente, aproveitando a
jornada da existência um passo de cada vez, cientes da estrada que desejamos seguir.
HAYES, Steven C.; STROSAHL, Kirk D.; WILSON, Kelly G. Terapia de aceitação e
compromisso: o processo e a prática da mudança consciente. Tradução de Sandra
Maria Mallmann da Rosa. Revisão técnica Mônica Valentim. 2. ed. Porto Alegre: Artmed,
2021. ISBN 978-65-81335-28-1
HAYES, Steven C. Uma mente livre: como se direcionar ao que realmente importa.
Tradução de Ana Gabriela. Rio de Janeiro: Alta Books, 2023. ISBN 978-85-5081-451-3
